Lá na roça, pelo menos uma vez por semana a energia elétrica desaparecia. Era sempre nos piores momentos. Quando eu estava todo ensaboado no banho, quando a novela chegava perto do fim, quando estava chovendo e tínhamos que estancar as goteiras.
– Mãe, acabou a força!
A verdade é que eu e meus irmãos gostávamos muito. Tirando o banho frio, a falta de energia era só alegria. A família se reunia em volta de dois lampiões a gás, e meus pais eram obrigados a inventar algum jogo para nos entretermos até a hora de dormir. Ficávamos todos em volta da mesa da cozinha, ouvindo o chhhhhh do gás saindo e se transformando em luz.
O único momento em que me passava um frio pela espinha era na hora em que as lâmpadas se se apagavam de repente, e com o fim do barulho da televisão surgiam todos os roncos, estalos e rumores do mato que rodeava a casa. Eu já sabia o que minha mãe iria pedir.
– Iberê, vai pegar os lampiões enquanto eu busco o fósforo! – ou o contrário.
Naquele pequeno espaço de tempo em que a escuridão dominava, e eu enfiava a mão na gaveta do armário procurando a caixinha áspera dos palitos de fósforo, sempre vinham à memória as histórias de assombração que o nosso vizinho, o Marcelo, nos contava.
Ele era um dos poucos ali nas redondezas que sabia descrever, com todos os detalhes, a fisionomia de um saci. Um negrinho pequeno, feinho que dói. Andava pitando um cachimbo velho e aparecia de noite, quando os cavalos estavam dormindo. Assustava e fazia trança na crina dos animais. Quando era de madrugada e os bichos começavam a se agitar muito, era batata: tinha saci rondando o curral.
Mais intrigante era o boitatá, que só aparecia nos brejos. Era uma luz muito forte, que passava rápido. Às vezes surgia longe, no céu, outras vezes tirava faísca das calças da gente. Mas o Marcelo não sabia que mal a tal cobra de fogo poderia fazer pra gente.
Perigoso mesmo era o lobisomem. Nas noites de lua cheia, batia de noite na porta das casas, pedindo sal. E ai de quem não tivesse! Não havia fuzil que desse conta do bicho.
Quando perguntávamos se assombração existia mesmo, ele garantia que já tinha visto várias, e que eram muito comuns quando o Nhô Bino, seu pai, era menino. Agora já não havia mais tanto. Elas gostavam mesmo era do escuro, e quando chegou a luz elétrica pararam de aparecer.
Na época, eu não acreditava muito, não. Mas hoje, pensando bem, o Marcelo estava certo. Foi tudo culpa da luz elétrica.
sábado, 21 de março de 2009
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Um comentário:
ehehe.. Que texto bom de ler!
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