domingo, 6 de agosto de 2006

No tombo do cedro

Com grande esforço, colocava meia dúzia de pertences dentro da mala pequena. Alguns documentos, fotos, toalha. Não levaria praticamente nada. Ficariam para trás um guarda-roupa cheio, muitos livros e aparelhos eletrônicos.

Ela sentava no canto do quarto. Observava-o imóvel, tentando trocar um olhar, que não vinha. Um muro invisível os separava. Ainda que não tivessem conversado, sentia que aqueles poucos gestos poderiam ser os últimos, e continha sua habitual agitação e manifestações de afeto.

Fazia cinco dias que ele não ia mais para o trabalho. As lixeiras da casa estavam quase todas cheias, enquanto a dispensa transbordava comida enlatada e sacos de arroz. Ela queria pedir explicações, saber o porquê de suas dobras na testa, das sobrancelhas pendentes, da pilha de garrafas de vodca vazias na garagem, mas as palavras não surgiam na hora de falar.

Com uma bola de tênis entalada na garganta, ele se esforçava para não explodir em prantos. A dor por não levar nada da vida que demorara tanto para construir não necessitava de um adendo. Além disso, pobre coitada. Que os últimos momentos fossem, pelo menos, serenos.

Por que a abandonava? Ela, que sempre estivera ao seu lado, todos os dias ali no portão, despedindo-se e esperando-o, não merecia ser deixada assim, sem mais delongas. Viviam juntos havia quatro anos, sem nunca uma pendencinha sequer ter arranhado o carinho que nutriam. Seria seu jeito atrapalhado, de nunca conseguir ter dito que gostava tanto dele? Seria largada ali, sem seu único conforto na vida, que era o afagar de suas mãos de homem?

Não, não era por falta de querê-la. De tudo o que deixava, ela era o que mais lhe faltaria. Seu desejo maior, naquela hora, era o de poder encontrar alguém que a amasse mais do que ele amara. Não a deixava por vontade. Era questão de sobrevivência, e não podia levá-la consigo.

A mala estava quase cheia. Como se levantasse um botijão de gás, ele pegou o vidrinho de antidepressivos e acomodou ao lado das passagens e do passaporte. Trancou os fechos e levantou-se.

Ela ergueu a cabeça e sentiu que era o instante de exigir-lhe explicações. Parou em frente à porta obstruindo a passagem, e olhou suplicante.

Ele se abaixou, pousou a mão sobre sua cabeça e beijou-lhe o pêlo marrom.

– Fica bem, Laika.

Pela primeira vez, saiu deixando o portão aberto. Sem ter coragem de olhar para trás, bateu a porta do táxi, que arrancou cantando os pneus, temeroso por transformar-se em alvo de mais um míssil de Israel.